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O Custo da Doença!
O Custo da Doença!
José Márcio Soares Leite
Em meados do mês de maio deste ano, estive em João Pessoa na Paraíba, para participar do XV Conclave da Federação Brasileira de Academias de Medicina-FBAM, ocasião em que tomei posse como Vice-Presidente da nova Diretoria para o biênio 2014/16, e também tive a honra de presidir Mesa com o tema “O Sistema de Saúde e suas Políticas no Brasil”. Avaliação crítica, integrada por ilustres painelistas de renome nacional.
Entre os principais problemas enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), destacam-se sua gestão e seu financiamento, grandes óbices ao alcance dos objetivos preconizados na Carta Magna de 1988. Esses desafios não são exclusivos do setor público, mas também do setor privado, por mais paradoxal que pareça ser tal assertiva.
Quanto ao financiamento do SUS, gastamos 9% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil com saúde, ou seja, R$ 396 bilhões ao ano, porém só 47% são do governo, os outros 53% são das empresas e das famílias, a metade do que é despendido nos Estados Unidos (EUA), que gastam 17,6% do PIB em saúde, o que, traduzindo-se em per capita/ano, significa que o Brasil gasta em saúde US$ 474 por pessoa, enquanto os EUA gastam US$ 3.977 (Um Mercado Doente. Revista Época, de 12 de maio de 2014).
Quanto à gestão do SUS, “o Brasil sofre com as doenças crônicas dispendiosas do século XXI, tem um sistema de saúde preparado para atender males do século XX e gestão do século XIX” (Malik. A.M. Fundação Getúlio Vargas-FGV. São Paulo).
Precisamos, portanto, urgentemente repensar o SUS, reformulando-o, porém sem nunca pensar em extingui-lo.
Nesse contexto, o consultor Vijay Govindarajan, indiano, mas radicado de há muito nos Estados Unidos, onde é professor da Tuck School of Business, dedicou-se a estudar o sucesso de nove hospitais na Índia, e publicou recentemente o resultado de suas pesquisas na Harvard Business Review. Segundo ele, esses hospitais são a prova de que o Brasil também pode inovar em saúde, por meio de três coisas: custo baixo, alta qualidade e grande alcance.
O êxito alcançado pelos hospitais indianos se deve a um método de economia que eles chamam “Hubs” e “Spokes”, em que os grandes procedimentos de alto custo e que exigem especialistas, como as cirurgias cardíacas e neurocirurgias, são realizados nos grandes centros médicos, onde o trabalho médico, do cirurgião, não é desperdiçado com tarefas que podem ser realizadas por auxiliares de sala, muito menos em atividades burocráticas como preenchimento de formulários etc, limitando-se a execução do ato médico, o que aumenta em muito o rendimento hora/médico. Os demais serviços de saúde da periferia dos grandes centros urbanos e de pequenos municípios se restringem à realização de exames e procedimentos médicos de baixo custo e que contam com integral apoio de pessoal de nível médio altamente qualificado. Isso é que se chama economia de escala, ou seja, uma hierarquização de serviços por sua complexidade e/ou gravidade e de escopo, pois aumenta a demanda dos casos que exigem especialista para os grandes centros, evitando-se a ociosidade e reduzindo-se custos.
Na Índia, portanto, os serviços de saúde de média complexidade são conectados aos centros médicos maiores por tecnologia da informação e por um sistema de regulação médica, para referenciamento de pacientes clinicamente mais graves ou que necessitem de cirurgias de alta complexidade. No Hospital Aravinds, por exemplo, que possui certificado de qualidade da Joint Commision Internacional, uma cirurgia de catarata custa US$ 200 enquanto nos EUA custa US$ 4 mil. Se você precisa de uma cirurgia cardíaca aberta, o hospital lhe informa o quanto vai custar (US$ 3mil), ou seja, trabalham com o custo global médio do procedimento. Nos hospitais americanos que seguem o modelo “conta aberta”, os americanos pagam em média pela mesma cirurgia US$ 150 mil.
Pelo que se deduz da leitura do texto, da Revista Época, esse mesmo sistema poderia ser introduzido para o pagamento das contas do SUS, aqui no Brasil, ou seja, por grupos de procedimentos médicos, ao invés de pagamento para cada um dos pequenos procedimentos realizados durante uma intervenção médica, com extrema burocracia para seu preenchimento, muito desperdício de hora/profissional e com valores muito aquém dos custos reais desse procedimento. Some-se a isso a insistência de mantermos no Brasil um modelo de atenção à saúde em que cada município, mesmo os de pequeno porte, quer realizar procedimentos médicos que demandam grande custo, como cirurgias que exigem anestesista, cesarianas, etc, quando deveriam centrar-se na atenção básica, com o apoio dos agentes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e do Programa Saúde da Família, de baixíssimo custo e grande alcance médico-social, concentrando nos municípios-sede de Regiões de Saúde os procedimentos de média complexidade e referenciando para as capitais, mediante regulação médica, os casos de alta complexidade. Ainda há tempo para as correções, caso contrário o Brasil não vai suportar o altíssimo custo desse modelo vigente.
*Professor Doutor em Ciências da Saúde e Presidente da Academia Maranhense de Medicina.
Publicado no jornal O Estado do Maranhão, de domingo, 8 de junho de 2014.