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O Ato Médico e a Justiça
José Márcio Soares Leite*
“Profissão liberal de estirpe humanitária, a medicina atua no limite das coisas intangíveis, pois lida com a natureza humana, ainda inexata em sua compleição científica; administra anseios, expectativas, além de cuidar da vida, bem supremo, perecível e inafeito à reciclagem”(Gomes JC, Meireles. Revista Jurídica Consulex-Ano XIII-nº 299-2009).
Ao médico incumbe, portanto, além da responsabilidade legal, a responsabilidade moral, pois aquela presume a fiel observância das leis, como dever de cidadania, enquanto esta consiste não apenas em fazer o que convém, mas aprimorar o feito, buscar o mais que perfeito, crescer no domínio da técnica e das habilidades para promoção da saúde, prevenção das doenças ou restauração da função, e mais, buscar a adequação moral entre o bem praticado e a necessidade do paciente.
Nesse contexto, há que se ter em mente, com clareza, o papel social do Direito e da Medicina; aquele como reparador dos males sociais, doenças da fratura do tecido social, esta como reparadora dos males orgânicos, ou seja, a justiça é a saúde do organismo social, enquanto a medicina é o equilíbrio biológico do ser.
Desse modo, erro profissional médico, ou simplesmente “erro médico”, é o dano provocado no organismo humano pela ação do médico. O “erro médico” se configura quando há uma falha inescusável do profissional no exercício da atividade, o que segundo o Código de Ètica Médica-CEM (Resolução-CFM nº 1.246/88,) Art. 29 , consiste em: Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência.
O que comumente chamamos de “erro médico”, contudo, não é correto, pois essa expressão induz a um pré-julgamento do profissional médico, o que somente pode confirmar-se com o julgamento final pelos Conselhos Regional e Federal de Medicina de sua jurisdição, se houve ou não infração ao Código de Ética Médica, consoante preceitua o Código do Processo Ético Profissional-PEP (Resolução do CFM 1.617/2001), ou com o trânsito em julgado da sentença condenatória na justiça.
Os pacientes que julgam ter sofrido seqüelas, ou ainda seus representantes legais, no caso daqueles virem a óbito, buscam no judiciário a punição dos responsáveis e conseqüentemente indenização por danos materiais e morais, com fundamento na “teoria da perda de uma chance de cura ou de sobrevivência”. Sobre o tema, o Desembargador Paulo Miguel de Campos Petroni, da 27a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos revela que: “a teoria da perda de uma chance ou perte d’une chance, se caracteriza quando é plausível afirmar que a culpa do médico decorre de ele não ter dado ao paciente, por ação ou omissão, todas as chances ou meios de investigação e tratamento terapêutico, inclusive com o concurso de outros especialistas, para que aquele tivesse a oportunidade de cura, integral ou parcial, de sua moléstia”.
Quando de fato ocorre um “erro médico”, este pode ser atribuído a múltiplos fatores, isolados ou combinados, como má-formação profissional, falhas na comunicação de diagnósticos e prognósticos, falta de padronização no registro de prontuários médicos e de enfermagem, precárias condições de trabalho, ou por excesso de carga de trabalho desse profissional.
A nossa experiência como Conselheiro-Corregedor do CRM/MA, nos permite observar ser fundamental que todo processo judicial por “erro médico” seja sempre precedido de um pré-julgamento pelos Conselhos de Medicina, que ao contrário do que muitos possam imaginar como corporativo, têm agido com total isenção e competência técnico-pericial nesses processos ético-profissionais, a par de levarem em conta, se houver apenação, as circunstâncias e as condições de trabalho no momento da realização desse ato médico.
* Médico. Professor MS da UFMA e Membro das Academias Maranhense de Medicina, Maranhense de Ciências e Pinheirense de Letras, Artes e Ciências e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão
Publicado no Jornal O Estado do Maranhão de 09/o8/2009