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22.07.2013

Curar algumas vezes, consolar sempre

José Márcio Soares Leite

            Na semana passada participei da solenidade de formatura dos concluintes do Curso de Medicina da Universidade CEUMA, como patrono da turma. Na oportunidade, durante minha alocução, fiz referência ao histórico das Escolas Médicas, lembrando que o primeiro curso de medicina do mundo foi o da Scuola Médica Salernitana, no século IX, que deixou de existir em princípios do século XIX. Atualmente a Escola Médica mais antiga em atividade do mundo é a  Faculdade de Medicina de Montpellier na França, que existe desde o século XII, embora seu primeiro marco institucional date do ano de 1220. 
       O ensino oficial da medicina no Brasil começaria em 5 de novembro de 1808, quando, por Decreto de D. João VI, foi criada a Escola Anatômico-Cirúrgica e Médica da Bahia, e em 1813 a Faculdade Nacional de Medicina no Rio de Janeiro.
       No Maranhão, em 28 de fevereiro de 1957, foi criada a Faculdade de Ciências Médicas pela Sociedade Maranhense de Cultura Superior (SOMACS), pertencente à Universidade Católica, depois Fundação Universidade Federal do Maranhão.
       Disse ainda aos formandos, na ocasião, que essa  conclusão do Curso de Medicina ocorre em momento de grandes desafios para a medicina brasileira, os quais a seguir destaco.
        O primeiro desses desafios decorre da morbimortalidade prevalente no Brasil. Ainda não nos liberamos do grupo de doenças infecciosas e parasitárias e já temos que conviver com as chamadas doenças da modernidade, como as cardiovasculares e crônico-degenerativas, que já respondem por 66,3% da morbidade geral no país e com tendência crescente, em sua maioria decorrentes do crescimento da população de idosos e do ambiente progressivamente mais agressivo à saúde. 
         O segundo desafio diz respeito à necessidade dos jovens formandos trabalharem com cuidado e humanização a relação médico-paciente, apontada em todas as recentes pesquisas de opinião pública como o ponto focal de insatisfação dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Sob o ponto de vista médico, precisamos reverter essa situação e estrategicamente manter do nosso lado, a nosso favor, a população brasileira, para que não nos transformem em vilões, ou mesmo “amortecedores sociais” de crises institucionais ou econômico-financeiras que atingem  o mundo em escala global.          
     Segundo Werner Jaeger, uma das maiores autoridades em história da Grécia clássica, em sua obra PAIDÉIA A Formação do Homem Grego; “... de todas as ciências humanas estão conhecidas, incluindo a matemática e a física, é a medicina a mais afim da ciência ética de Sócrates”, salientando que o médico, mais que um biólogo, mais do que um naturalista, deveria ser, fundamentalmente, um humanista.
       
       O professor Ernesto Lima Gonçalves, em seu livro Médicos e Ensino da Medicina no Brasil, ensina-nos que “... a prática médica deve comprometer-se com o homem integral, indivíduo mais pessoa, para que possa atingir seus objetivos reais. Ela deve, pois, procurar enxergar o homem em seus componentes físicos, químicos e biológicos, mas também nos componentes mentais e psicológicos, emocionais, afetivos e sociais”.
          No livro Como os Médicos Pensam, de Jerome Groopman, ele cita outro medico William Osler do Brigham Hospital, o qual dizia basicamente que “... se você escutar o paciente, ele dará o diagnóstico. Não há duvida de que os exames de apoio diagnóstico são importantes ou de que a tecnologia especializada de que dispomos hoje é vital para cuidarmos de um paciente, mas acho que essa tecnologia nos afastou da história clinica do paciente. E quando você se afasta da história clinica do paciente, já não é realmente um médico".
        Toda essa observação sobre a conduta humanitária do médico já consta há 25 séculos do legado de Hipócrates, o pai da medicina, em seu “Corpus Hippocraticum”. Em um dos livros que integram esse conjunto, Peri Tékhne (da arte), Hipócrates define a medicina e seu principal objetivo "... quanto à medicina, tal como eu a concebo, penso que o seu objetivo, em termos gerais, é o de afastar os sofrimentos do doente e diminuir a violência das suas doenças, abstendo-se de tratar os doentes graves para os quais a medicina não dispõe de recursos."
          Por influencia do cristianismo, no século XV, foram acrescidas a este aforismo os vebos consolar e curar,  no latim medieval, medicus quandoque sanat, saepe lenit et semper solatium est (o médico às vezes cura, muitas vezes alivia e sempre é um consolo).
         A medicina tem uma tradição milenar e os médicos devem sempre frente às dificuldades político-institucionais, prosseguir o seu trabalho profissional, cuidando da forma mais técnica e científica dos seus pacientes, mas sem descurar, por outro lado, do aprimoramento da relação médico-paciente, a qual deve pautar-se pela humanização.       
Professor Doutor em Ciências da Saúde, Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Maranhão e Presidente da Academia Maranhense de Medicina.

Publicado no jornal O Estado do Maranhão, de domingo, dia 21 de junho de 2013.

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