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14.09.2018

Saúde Pública. Onde está o erro?

Reflexão após um plantão médico.

Saindo do plantão hoje pela manhã, ao tomar café na lanchonete em frente ao hospital, assisti a uma reportagem televisiva cuja matéria vem sendo apresentada de forma cíclica há mais de 30 anos. 

O foco da matéria era mostrar a dificuldade que as pessoas têm ao acesso dos serviços de saúde. A reportagem exibia imagens e entrevistas com pacientes que estavam ha meses na fila de espera para uma cirurgia ou internação no sistema público de saúde. O maior obstáculo era conseguir ultrapassar os altos muros de uma burocracia perversa  e protelatória. 

A desculpa padrão enfatizada pela mídia é sempre a mesma: falta de leitos e profissionais da saúde, em especial os médicos.

Porém, o cerne da questão está na falta de gestão e planejamento das ações em saúde e não na falta de profissionais médicos.

Este viés de interpretação tem gerado um agravamento dos problemas existentes com prejuízo tanto aos usuários do SUS, como também àqueles que trabalham como agentes públicos nas unidades de saúde. 

Hodiernamente, processos de má prática médica e agressões verbais e físicas são  a tônica da relação médico-paciente na maioria das unidades hospitalares da rede pública. 

Segundo estudo realizado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, sete em cada 10 médicos que trabalham em hospitais das cidades paulistas já sofreram algum tipo de agressão.

Enquanto prevalecer essa visão centrada no atendimento hospitalar e houver a nefasta interferência da política partidária nas ações voltadas à saúde, não haverá avanços. 

É inquestionável o conceito defendido pelo médico William Petty (1623-1687) que nos leva a refletir com um olhar bem mais ampliado sobre a saúde e nos mostra que agir na consequência não resolve. “É necessário um estudo dos problemas econômicos e sociais onde a saúde e a doença progressivamente se tornariam uma questão coletiva e não meramente individual”. 

A proposta de construir hospitais para tratar agravamentos de enfermidades crônico-degenerativas - evitáveis pela prevenção de doenças e promoção à saúde - tem se mostrado ineficaz e daqui a mais 30 anos estaremos vivenciando este mesmo espetáculo, caso ainda persista essa visão equivocada de gestão na saúde. 

Não é aumentar número de leitos que irá resolver os problemas. A demanda de pacientes sempre será crescente e os hospitais continuarão superlotados, haja vista que as doenças avançam em proporção geométrica e os recursos estão perenemente estagnados.

Investir na atenção básica, educação e excelência na formação dos profissionais da área da saúde é o caminho do Brasil para fortalecer a atenção primária na saúde.

De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), quatro de cada dez crianças da América Latina vivem em situação de pobreza. A estatística revela que 70 milhões de crianças da região vivem abaixo da linha da pobreza infantil. Desse total, 41% vive na extrema pobreza.

Condorcet no seu livro “Tableau historique des progrès de l’ esprit humain” publicado em 1795 citava: “a medicina preventiva conduziria à extinção não somente das doenças contagiosas, mas também daquelas que são relacionadas à nutrição, às atividades e ao clima”.

A difusão da noção de atenção primária é atribuída ao Relatório Dawson, elaborado pelo Ministro de Saúde do Reino Unido, que em 1920 “a associou com a idéia de regionalização e hierarquização dos cuidados à saude”. 

Ou se inverte essa lógica, como fez o Reino Unido há quase um século, ou será muito improvável que haja reversão dos pífios resultados dos indicadores de saúde no Brasil.

Com relação a suposta falta de profissionais para realizar o atendimento médico aos usuários do SUS é outra falácia.

Não há falta de médicos no Brasil. 

O que existe é a dificuldade do médico em se fixar no sistema público de saúde por conta da falta de meios para o exercício da profissão, da ausência de uma estabilidade nos vínculos empregatícios e pela inexistência de um piso salarial com remuneração digna para a categoria. 

Apesar desse diagnóstico, o governo insiste em adotar medidas inócuas e completamente dissonantes da nossa realidade. Cita-se como exemplo o credenciamento, abertura e reconhecimento indiscriminado de novas escolas médicas, sem observar os critérios mínimos que a legislação vigente estabelece para a formação de profissionais com qualificação e competência para atender à população. 

Outro ponto de relevância é a terceirização da saúde, mediante contratos de gestão com pessoas jurídicas de direito privado, como forma de complementar e melhorar os serviços públicos. Porém, o que se observa na prática é a repetição do erro em dar ênfase ao atendimento hospitalar em detrimento de ações com foco na atenção primária. 

Paralelamente, isso veio gerar uma terrível insegurança jurídica aos profissionais que trabalham com essa modalidade de contrato, pelo fato de assumirem uma responsabilidade objetiva sobre eventuais danos que venham ocorrer aos pacientes. 

O resultado não poderia ser outro: aumento dos gastos e metas não atingidas. 

Espera-se que os candidatos a cargos no legislativo e executivo tenham essa consciência, apresentem propostas com objetivos bem definidos na quesito saúde e que efetivamente possam mudar esse quadro caótico em que se encontra a saúde em nosso país. 

Adolfo Paraiso

Presidente do Sindicato dos Médicos do Estado do Maranhão.

 

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