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19.10.2012

MISTANASIA

MISTANÁSIA

Roberto Luiz d’Avila

PRESIDENTE DO CFM

Mistanásia. Poucos conhecem de imediato o significado desta palavra que traduz, em quatro sílabas, a dor e o sofrimento impostos à sociedade pela desassistência. São homens, mulheres e crianças que sequer têm a chance de se tornarem pacientes. Morrem antes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento. Ou pior: mesmo acolhidos num hospital ou pronto-socorro, não recebem o diagnóstico e o tratamento que esperam. Recentemente, uma reportagem de TV apresentou o drama de uma criança paraense que, mesmo cuidada por uma médica, não conseguiu leito de internação e acabou morrendo. O martírio dessa menina e o desespero da colega que a acompanhava – testemunhados pelas câmaras – comprovam que a mistanásia existe no Brasil. Como esse caso, há milhares de outros, absorvidos pelas estatísticas. Uma mulher com diagnóstico de câncer de mama e impossibilitada de começar de imediato seu tratamento pela falta de equipamentos e de médicos não seria uma vítima da mistanásia? E um trabalhador que, sem condições de agendar uma consulta, alivia seu desconforto nos prontos-socorros e quando se dá conta recebe diagnóstico de doença grave que poderia ter sido evitada se descoberta no início? Entendo que o governo – em diferentes esferas – até tem procurado fazer algo para evitar situações desse tipo. Contudo, é inegável que falta mais, especialmente por conta de pecados cometidos pelos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS). É preciso encarar o problema! Os gestores devem entender que a condução de um sistema baseado nas diretrizes de universalidade, integralidade e equidade no acesso necessita de uma visão estruturante. Ou seja, as decisões não podem buscar respostas imediatas e muito menos midiáticas. O brasileiro precisa e espera soluções permanentes, de longo prazo. Nos últimos meses, é evidente que os gestores já escolheram um culpado, sobre o qual, no entendimento deles, deve recair o peso de todos os males da desassistência. Elegeram o médico – ou a falta dele – como o responsável pela agonia dos brasileiros, especialmente dos que têm amparo apenas no SUS. Desde então, a categoria médica tornou-se alvo de uma ação coordenada que oferece à sociedade placebo ao invés de efetivo remédio para o tratamento de suas demandas. Ressalte-se que se trata de categoria sem carreira, com salário irrisório (quando servidores públicos) ou pago pela Tabela SUS (quando prestador), cujos valores são aviltantes. Apesar de os gestores alegarem preocupação com “a falta de médicos”, o país não ouviu ainda o anúncio de mais recursos para a saúde ou de mudanças no modelo de gestão – e nem ao menos apresentaram medidas que qualifiquem a estrutura de atendimento nos municípios mais pobres e distantes, visando estimular a fixação de médicos e outros profissionais de saúde nestas localidades. É como se vivêssemos no Reino das Águas Claras, onde a presença de um estetoscópio basta para recuperar a saúde do paciente. Enfim, a responsabilidade é bem maior e os médicos não arcarão com o ônus dessa fatura que, em nosso entender, nada mais é que a expressão da mistanásia social no Brasil. Em defesa da vida, os médicos não permitirão a manutenção desse pacto e nem a impunidade de seus signatários.
Fonte: JornalMedicinaAgosto2012

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