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18.02.2014

A MARCA DO SUS

 José Márcio Soares Leite

 O Sistema Único de Saúde (SUS) indubitavelmente é o maior sistema público de saúde do mundo. Decorridos, entretanto, 25 anos desde sua criação, qual é a marca do SUS? O livro “20 anos de construção do Sistema de Saúde no Brasil¬¬_ uma análise do Sistema Único de Saúde”, recentemente lançado pelo Banco Mundial busca analisar essa trajetória.
 Dessarte, o texto conclui que... “a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil lançou os alicerces de um sistema de saúde melhor para o país, contribuindo para o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida da população. Entre os progressos trazidos pelo SUS destacam-se a reestruturação dos mecanismos de integração do sistema, o processo constante de descentralização e compartilhamento das responsabilidades entre União, Estados e Municípios, assim como o aumento gradual dos gastos públicos para o financiamento do setor, porém salienta que ainda enfrentamos dificuldades para sua governança”.
 Esse livro faz, portanto, uma análise do Sistema Único de Saúde (SUS) desde a sua criação pela Constituição Federal de 1988, porém se atine aos compromissos institucionais, assumidos pelos Congressistas Constituintes, a saber: (a) acesso universal aos serviços de saúde, definindo-se a saúde como um direito do cidadão e uma obrigação do Estado; (b) igualdade no acesso à assistência à saúde, reconhecidas as desigualdades entre as pessoas e os grupos sociais; (c) integralidade (abrangência) e continuidade do atendimento em saúde, contemplando o conjunto de ações de promoção da saúde, prevenção de riscos e agravos, assistência e recuperação. Porém, não aborda os desafios e óbices que ainda teremos que enfrentar para sua consolidação. E que desafios ou óbices seriam esses?
 Fruto de nossa vivência e experiência com o SUS, desde a sua criação, permito-me enumerar os principais, a saber: a população de idosos cresceu vertiginosamente e está a exigir para o prolongamento da vida com qualidade, procedimentos médicos e medicamentos de altíssimo custo; a judicialização da saúde, com inúmeras sentenças judiciais determinando a aquisição de medicamentos, ou procedimentos médicos não contemplados no SUS, onerando um já deficitário orçamento público em saúde, com o agravante de que os Doutos Juízes em sua maioria, não aceitam a contra argumentação dos gestores da saúde “da reserva do possível”, com base no princípio constitucional de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado; a deficiência na prestação de serviços de saúde na atenção básica em saúde, o que gera uma demanda por consultas especializadas e por procedimentos de media e alta complexidade, em razão do estádio de muitas enfermidades que poderiam ter sido tratadas precocemente ou até mesmo evitadas pela promoção da saúde, ou seja, pelo controle dos fatores condicionantes e/ou determinantes, do processo saúde-doença dessa enfermidade, à exemplo do câncer de colo uterino;  o prolongamento acentuado do tempo/resposta por consultas especializadas e internações eletivas; o SUS ao contrário por exemplo do Nacional Health Sistem (Sistema de Saúde Inglês) e do Securité Sociale (Sistema de Saúde Francês), não tem um forte componente regulatório; um efetivo controle social e, o mais prepoderante, o financiamento, pois a tabela de pagamento dos procedimentos realizados pelo SUS, não cobre seu custo real determinando grande déficit nos orçamentos públicos em saúde. À guisa de ilustração, quando da criação do SUS o financiamento federal representava 85% do total de gastos públicos em saúde, chegando a 45% no final da década de 2000.
 Além disso, há questões reconhecidas sobre as quais é preciso evoluir, como a melhora da qualidade e da coordenação do cuidado, a continuidade da expansão na cobertura da atenção básica em saúde, a superação de barreiras ainda presentes no acesso a cuidados especializados e de alta complexidade e a permanência de uma elevada dependência dos gastos privados no financiamento dos cuidados de saúde no país. Esses desafios tendem a aumentar no futuro, sobretudo por conta do envelhecimento da população brasileira e pelo aumento significativo do câncer e das doenças cardiovasculares no perfil de mortalidade do País, no enfrentamento aos principais problemas epidemiológicos, indo das doenças negligenciadas às doenças crônicas como câncer, hipertensão e diabetes.
 Se é verdade que é relevante considerar os desafios do SUS hoje, não menos importante é considerá-lo em perspectiva histórica. Neste aspecto, os avanços e o compromisso político e social presentes no SUS desde sua criação, e o que o sistema representa em termos de cidadania para milhões de brasileiros, significam uma enorme conquista da sociedade, especialmente para os mais pobres e mais vulneráveis. O caminho para uma saúde mais inclusiva e acessível não é simples, mas o SUS e o Brasil já deram enormes passos nessa direção.
Essa é a grande e indelével marca do SUS!

Professor Doutor em Ciências da Saúde, Conselheiro do CRM/MA e Presidente da Academia Maranhense de Medicina.

Publicado no jornal O Estado do Maranhão, de domingo dia 16/02/14.


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